quarta-feira, 13 de agosto de 2014

ALFRED HITCHCOCK : 125 anos do Cineasta que Sabia Demais



Alfred Joseph Hitchcock nasceu em Londres, no dia 13 de agosto de 1899. Começou sua carreira como desenhista de legendas para filmes mudos. Em 1925 assinou sua primeira obra-prima como diretor: "The Pleasure Garden" . A partir de então, foi responsável por inúmeras cenas antológicas do cinema. Seu estilo inconfundível de filmar, juntando-se à originalidade de suas estórias e sua ousadia, com temas tabus para a época, lhe conferiram a alcunha de Mestre do Suspense. Suas obras são constantemente reprisadas pelos canais de televisão, bem como alvo de estudo em muitas universidades, tanto de cinema, quanto de psicologia ou sociologia. Tais fatores, ligando-se às suas costumeiras e esperadas aparições, em seus filmes, sempre plenas de inteligência e bom humor, fizeram de Hitchcock um dos cineastas mais famosos e cultuados do mundo. Sua habilidade, para contar estórias, influenciou e influencia até hoje gerações de cineastas; dentre os quais, destaco: François Truffaut (o qual escreveu um livro acerca de sua amizade e convivência com o Mestre.), Brian de Palma e, mais recentemente, o indiano M. Night Shyamallan, em cujas obras há sempre viva aquela tão hábil capacidade - e a qual o Cinema de hoje tanto carece - de manter o espectador em constante expectativa quanto à próxima cena.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Em Defesa de “O Anticristo”



O Anticristo, clássico italiano, dirigido por Alberto de Martino, foi, para mim, desde a infância, um filme muito marcante. Primeiramente pelo fato de havermos nascido para o mundo no mesmo ano (1974), além do que, no final da década de 1970 e início de 1980, este filme foi exibido algumas vezes, em versão dublada, pela Rede Record (época em que a emissora pertencia ao Grupo Paulo Machado de Carvalho) e pela Bandeirantes, na Sessão Sexta-Mistério. Lembro perfeitamente de meu pai assistindo a esse filme, sentado na poltrona de nossa sala.
Quando lançado em VHS, pela DIF (Seu Melhor Programa em Vídeo), em 1983, apenas uma única videolocadora de minha cidade (Amparo - SP) o possuía em seu acervo. As pessoas, entretanto, possuem certo preconceito (pré-conceito) em relação àquelas películas consideradas datadas, preferindo, infelizmente, produções recentes e com forte apelo comercial, nas quais temos, na maioria das vezes, um roteiro paupérrimo, bem como protagonistas, com atuações carentes de talento e que beiram a infantilidade.
Por essa razão, O Anticristo estava sempre na prateleira. Nunca, enquanto frequentei aquela locadora, vi esse filme sair de lá. Estava sempre na parte de baixo da prateleira, num canto quase esquecido da locadora, fazendo companhia para outros títulos do gênero, protagonizados pelos grandes canastrões do horror (Peter Cushing, Vincent Price, Christopher Lee, John Carradini, Boris Karloff). 
Diversas vezes quis assistir a ele. Chegava a pegar, mas na hora H desistia. Meu pai jamais permitia que eu chegasse à sala, nas raras ocasiões em que a Tevê o exibia.  Foi somente em 1988, então com 14 anos, que tive coragem para locar e, pela primeira vez, apreciá-lo. Confesso, fiquei chocadíssimo.  Pensei que nunca mais fosse querer olhar para esse filme.
O tempo passou, no entanto nunca me esqueci daquela primeira experiência. Sempre quis pegar novamente “O Anticristo”, a fim de fazer uma nova leitura. Reafirmo que sempre fui fã do Terror Antigo, contudo sempre achava uma desculpa para não locar novamente o filme. Em 1992, entrei para a faculdade de Letras. Nesse ínterim a locadora foi vendida e o então novo proprietário fez uma verdadeira limpeza naquilo que ele chamou de velharia, colocando, em seu lugar, somente os filmes mais comerciais, por isso de fácil e garantido retorno financeiro.
Certo dia, em 1994, passando por lá, entrei e, ao constatar que o “O ANTICRISTO” havia desaparecido, dirigindo-me ao balcão perguntei onde ele estava. A garota, que deveria ter seus 14, quando muito 15 anos, olhou-me como se eu houvesse falado o pior palavrão do mundo, ou como se eu fosse um louco que tivesse inventado o nome do filme e estivesse gozando com a cara dela... Resultado: foi buscar um título que divergia, e muito, da pergunta que eu havia feito.
Como paciência não é meu forte, principalmente em relação a filmes que as pessoas desconhecem (e parecem ter preguiça de procurar conhecer), já estava dando as costas para a menina, quando a senhora, dona da locadora, me deteve, avisando-me de que os filmes, que estavam em desuso, encontravam-se no porão da locadora e se eu tivesse interesse em assistir a algum, ela poderia me entregar a chave para que eu mesmo o fosse buscar, porque o cheiro de mofo era muito forte, devido à umidade do local.
Corajosamente, enfrentando meu próprio problema respiratório, lá desci. Ao abrir a porta, fui banqueteado com verdadeiros clássicos há muito esquecidos, mas que, infelizmente, ao abrir os estojos, nos quais as fitas estavam, pude constatar que havia camadas de bolor sob o rolo plástico das fitas e sobre as mesmas.
Penalizado com tal situação, abri minha carteira e contei o dinheiro de que dispunha. Peguei alguns títulos (O Pescador de Ilusões – A Casa do Terror – À Sombra do Vulcão - Dr. Phibes - Feitiço da Lua), todavia não conseguia localizar aquele, pelo qual tanto buscava.  Comuniquei o fato à senhora e apresentei-lhe os filmes que havia pego. Ela disse que precisaria, antes de tudo, relança-los a fim de que eu pudesse locá-los. Para sua surpresa, eu afirmei que não era meu desejo alugá-los, mas sim adquiri-los. Ela contra-argumentou, dizendo que estavam embolorados. Deixei claro que, para mim, não tinha importância, porque pretendia desmontá-los e limpá-los. Ela me respondeu que iria consultar seu sócio e que, após a resposta dele, eu poderia leva-los. Quanto ao “O Anticristo”, ela dispôs-se a procurá-lo para mim. Isso se deu numa quarta-feira.
Na sexta-feira, fui buscar os filmes.  A moça do balcão me disse que podia leva-los por Cr$ 800,00 (Oitocentos Cruzeiros Reais) e que havia encontrado o filme de Alberto de Martino, mas que, infelizmente, estava muito mais embolorado que os outros e, por isso, a dona do estabelecimento, caso me interessasse ainda, iria fazer um desconto por ele. Sem pensar duas vezes, paguei a importância e fui para casa. Antes disso passei na farmácia, adquiri álcool isopropílico, num supermercado comprei benzina e numa loja de fotos comprei algumas fitas Verbatim, de 120 minutos (Essa marca era a mais barata e iria servir perfeitamente, para o que eu pretendia fazer).
Já em casa, de fato vi que “O Anticristo” era o que se encontrava em estado mais crítico, logo teria que ocupar-me primeiramente de sua restauração. Umas dez e meia, onze horas da noite, quando minha mãe e irmãs já haviam se recolhido, dei tratos à “restauração”.  Abri a fita Verbatim e cortei, na altura em que a fita transparente encontrasse com a fita magnética, a bobina vazia (aquela do lado esquerdo).  Repeti a operação na fita original (selada), já aberta. Ao cortar a bobina bolorenta, porém vazia, remendei, com fita própria para essa atividade, a que havia cortado da Verbatim.
Com um chumaço de algodão, levemente umedecido com benzina, comecei a transferência da fita de uma bobina para a outra, limpando com este a parte superior. Quando a operação acabou, protegi o rolinho limpo com um plástico e limpei muito bem a carcaça da fita, trocando as travas de segurança desta pelas da Verbatim.  Isso feito, enrolei a fita virgem na bobina que havia tirado do VHS original, agora limpa com benzina.
Trocadas as duas bobinas do Vhs original, fechei-o e, com um algodão com álcool, afixado na pare de cima da carcaça da fita, rebobinei-a num vídeo antigo, com o tampo aberto. Resultado: o filme ficou novo em folha (pelo menos exteriormente, restava saber se o conteúdo também estaria).  Deixei o VHS em repouso, durante o restante da noite e fui me deitar. Já eram ,então, quase cinco da manhã.
Quando, no dia seguinte, fui ver o resultado, felicíssimo, constatei que o início da fita estava perfeito. A fita começava, após as advertências de praxe, como bem me lembrava, com os dizeres “DIF, seu melhor programa em vídeo”, ao término dos quais seguiam-se os trailers "LUCA, O CONTRABANDISTA" e o nacional "SIGNO DE ESCORPIÃO", direção de Carlos Coimbra, intercalados, é claro, pelos anúncios da DIF, já citados acima. E o filme começava: EDMONDO AMATI Presents CARLA GRAVINA, MEL FERRER, ARTHUR KENNEDY: “THE ANTICHRIST” (Copyright: Capitolina Produzioni Cinematografiche s.r.l. MCMLXXIV – All Rights Reserved.). Seguiam-se os demais créditos e a tela se abria, mostrando-nos aquela procissão, pelas ruas de Roma, na qual os fiéis pagavam suas promessas, bem como ofereciam sacrifícios. Muitos manuseavam cobras, a fim de mostrar a força de sua fé. A câmera logo deixa esse ambiente, focalizando suas lentes no santuário da virgem, em que vemos Ipólita, em companhia de seu pai, Mássimo, buscando por um milagre.
Assisti, por falta de coragem, confesso, até a parte do suicídio de Andário, em meio à chuva, justamente no ponto em que uma velha, desdentada e de lenço sobre a cabeça, abrigada do mau tempo, próximo ao local onde está Ipólita, diz: “Não adianta fazer nada, ele já está morto para sempre”.  Ejetei a fita, limpei as demais e assisti a todos os títulos. Na segunda feira, fui à locadora. A garota atendente foi me encontrar a porta, pedindo-me que lhe emprestasse o “O Anticristo”, porque na sexta, assim que deixei o estabelecimento, sua patroa havia se desmanchado em elogios ao filme, julgando-o, até mesmo, muito superior ao “O Exorcista”, feito um ano antes. A adolescente, mediante tal propaganda positiva, havia se sentido curiosa. Antes de responder, pensei comigo: Se essa menina, que é pouco mais que uma criança, assistir até o fim, eu também consigo. À tarde levei o filme para ela e prometi deixar até o final de semana, assim ela poderia apreciar com calma.
No sábado, à noite, fui buscá-lo e qual não foi minha surpresa ao saber que a garota, não só havia gostado, mas também feito a maior propaganda, reunindo uma porção de amigos para várias sessões. A dona da locadora assistiu ao filme novamente, após muitos anos, e mostrou-se muito satisfeita com o serviço que eu havia feito. Disse-me que a imagem estava cem porcento e que havia mostrado ao sócio e que este, por sua vez, havia feito a mim a seguinte proposta: Eu limparia todos os títulos, constantes no porão, a troco de todos aqueles pelos quais me interessasse.  Sem esperar que ela repetisse, aceitei o acordo. Coloquei o acervo do porão na caçamba de uma saveiro e, ao chegar a casa, dei início à operação, ao término da qual havia separado, para meu acervo pessoal, duzentos e vinte e dois títulos.
Voltando ao VHS “O Anticristo”: naquele mesmo final de semana assisti a ele várias e várias vezes e deixei-me encantar pela história. Claro é que, na época, muito da riquíssima simbologia do filme passou-me despercebido (tinha só vinte anos), porém compreendi algumas particularidades que dão seguimento à trama, tornando-a compreensível a quem venha a apreciá-la.
Um dos pontos que primeiro chamaram-me a atenção foi no próprio santuário da virgem, quando Ipólita dispõe-se a caminhar até a imagem. Se prestarmos a atenção à cena, podemos, claramente, observar o olhar de desafio e soberba que emana dos olhos da santa. Como se a imagem estivesse provocando a paralítica a ir até ela e, ao mesmo tempo, duvidasse de que ela fosse capaz.
Outro ponto que vale salientar é aquele em que, após sair do santuário, Ipólita vai para casa, acompanhada por seu pai e podemos observar, pouco antes do elevador abrir para o corredor da residência, o olhar, cheio de expectativas e esperança, da governanta, quando esta vai ao encontro da jovem; podemos ver este mesmo olhar desfazendo-se, quando a cadeira de rodas sai para o corredor. Isso quer mostrar-nos o quanto essa governanta, brilhantemente interpretada por Alida Valli, encorajou a jovem a ir àquele lugar. Essa demonstração de carinho e compaixão pela jovem patroa tornou a repetir-se, no meio do filme, quando ela chama aquele curandeiro (o popular benzedor) para, em vão, tentar ajudá-la.
Há o padre Mitner (Micna no VHS) que, por uma questão envolvendo reencarnação, já sabia, desde o início, o que iria acontecer.  Tanto que, quando todos já davam o caso como perdido, ele bate à porta dos Oderise e, para perplexidade de todos diz: “EU SOU O PADRE MICNA. ACHO QUE VOCÊS PRECISAM DE MIM...”. Pouco antes de Ipólita ser queimada como bruxa, na Idade Média, o padre Mitner dá-lhe a absolvição, expulsando, dessa forma, o demônio. Tanto que ela morre beijando a cruz, arrancada, pouco antes, durante sua agonia, do pescoço do padre.
Quando Ipólita delira, nua na cama, e sonha com aquela sua encarnação passada e vê-se numa orgia satânica, podemos observar, no lençol branco, assim que aquele sumo-sacerdote a penetra, marcas semelhantes a patas de bode. Ou seja, é uma gritante demonstração de que é o demônio que, embora invisível, está copulando com ela.
Tudo isso pude perceber com minha então limitada percepção de jovem de vinte anos.
Com o tempo, vieram os aparelhos de DVD e os videocassetes caíram em desuso. Como havia usado os meus até gastar, acabei deixando os VHS de lado. Consequentemente “O Anticristo”, após muito rodar pelo cabeçote, é claro, acabou, por essa razão, indo para uma caixa que era guardada em cima de meu guarda-roupa.
Quando foi no ano de 2009, em meio a uma conversa, um amigo ofereceu-se para converter meus VHS (es) em DVDs. Explicou-me que não iria me cobrar nada, simplesmente, porque ele próprio tinha vontade de rever o terror italiano.
Ao devolvê-lo a mim, já convertido em DVD, pude apreciar, novamente, após quase uma década sem ver sequer uma imagem dele, o filme pelo qual tanto me empenhei, em meados dos anos 1990. Confesso que, aos 35 anos, minha impressão sobre “O Anticristo” mudou para melhor. Por essa nova percepção, pude constatar toda a simbologia do filme e apreciá-lo com o mesmo prazer sentido por um enólogo, quando suas papilas gustativas entram em contato com um raro vinho. Posso, por esse fato afirmar que a produção de Alberto de Martino não é uma cópia deslavada do filme de William Friedklin, mas sim obra-prima rara, plena de simbolismos, profundidade e metáforas, enfim um achado.
Em primeiro lugar, se prestarmos bem a atenção ao filme podemos perceber que o demônio faz-se presente desde o início da projeção, mais especificamente entre as pessoas que superlotam aquele santuário, buscando um milagre para suas almas espiritualmente combalidas. Podemos, claramente, observar a presença maligna nos olhares de desafio da virgem, que parecem, a todo instante, apenas se dirigirem à Ipólita. Há, além disso, os constantes closes em que a câmera se detém sobre o Escapulário preso ao pescoço de Andário. Podemos compreender, com isso, que o Mal é capaz de ocultar-se até mesmo em objetos considerados sacros.
Pouco mais tarde, já na residência dos Oderisi, ao entrar no quarto, acompanhada pela governanta Irene, Ipólita pára, ao escutar o sussurrar demoníaco e, retrocedendo um pouco a cadeira de rodas, até o corredor, pode ver seu pai numa demonstração de carinho dirigida à jovem, que seria sua futura madrasta.
Freud, através da psicanálise, nos prova que a filha possui um natural fascínio pela figura paterna, bem como o filho pela materna. Tal fascínio, longe de ser um incesto, é capaz de provocar extremas crises de ciúme e revolta, se, porventura, um dos pais vier a colocar um indivíduo em sua vida. Essa pessoa, aos olhos do (a) filho (a) será sempre um estranho, um intruso que veio tirar todo o carinho e a atenção que, até então, era exclusivamente seu. Essa foi uma das fraquezas espirituais e psicológicas de Ipólita; uma brecha que permitiu a entrada do demônio. (Situação esta agravada ainda mais pelo fato de a namorada paterna ter praticamente a mesma idade de Ipólita, ou talvez ainda mais jovem – uma estudante, nos dizeres desta).
Quando Ipolita abre o porta-joias e lá encontra o escapulário de Andário, com a fisionomia de Cristo demonificada, exibindo, ao invés de seu Sagrado Coração, um enorme falo ereto, percebemos a referência a Baphomet, que era a figura pela qual o clero da idade média descrevia o diabo.  A figura de Baphomet era utilizada pelos satanistas nas práticas de rituais de cunho sexual, inclusive práticas homossexuais. Sua aparência, era a de um homem com cabeça e patas de um bode, detentor de um falo (pênis) enorme.  Podemos ver explicitamente Baphomet representado na presença do Sumo-sacerdote, que preside aquela orgia, durante um dos delírios satânicos de Ipólita. Além disso, o filme deixa bem claro, ao expectador atento, que é justamente nesse ritual que ela engravida do Anticristo. (Lembremos as marcas de patas de bode presentes no lençol branco, durante o delírio).
O demônio vinha perseguindo a alma de Ipólita, procurando por uma porta aberta, para sua entrada, desde sua encarnação passada, como religiosa que, forçada pela família a entrar para o convento, renuncia sua fé crista a fim de, em busca de uma falsa sensação de liberdade, unir-se a adoradores do diabo. É derrotado pelo padre Mitner, de quem ela recebe a absolvição, porém ressurge na então presente encarnação de Ipólita, perseguindo-a desde que ela era uma garota. Podemos ver um sapo decapitado em meio às chamas provocadas pelo acidente que a deixou psicologicamente paralítica. Aliás, o sapo é figura constante durante todo o filme, pois esse animal é utilizado pelas bruxas e satanistas como uma espécie de Cordeiro do Diabo, ou seja, assim como os cristãos de outrora imolavam o cordeiro, em adoração a Deus, os seguidores do diabo sacrificam o sapo em honra daquilo em que creem.  Por essa razão o batráquio se faz presente no meio das hóstias, durante a comunhão satânica e na hora em que o padre Ascânio, irmão de Mássimo, está, em vão, tentando expulsar o demônio do corpo da sobrinha.
A cruz invertida, assim como a cabeça do jovem virada para trás são símbolos do anticristo. No caso a cruz simboliza os satanistas medievais, tais como os mostrados no filme, já que suas cerimônias estavam baseadas em dogmas avessos ao cristianismo. Muitas seitas satânicas, até os dias atuais, utilizam a cruz como símbolo do anticristo, representando as forças do mal ou do diabo, bem como a negação aos dogmas do cristianismo.
No caso do jovem, durante a excursão, a cabeça virada ao contrário significa o Olhar Para Trás, a involução humana, ou seja, o Homem Invertido, uma das marcas do anticristo. (o 9 = evolução; o 6 = involução – daí o número da besta, do anticristo, ser 666, ou seja, o homem sobrepujado às forças do mal, sob total domínio do diabo). Há também, a meu ver, nessa mesma cena, uma inconsciente vingança de Ipólita sobre a atitude paterna (impulsionada pelo demônio, é claro): O pai fora capaz de, a seus olhos, seduzir uma estudante mais jovem, logo sua filha poderia, por sua vez, seduzir um estudante, igualmente mais jovem.
Durante alguns pontos chaves da trama, Ipólita manifesta certa sensibilidade psíquica, como por exemplo, naquela charada, proposta no decorrer da festa, na qual diz, confirmando mais tarde o que está escrito no papel dobrado, não ser possível, na matemática, a soma de dois e dois serem cinco. Em outro momento, na mesma cena, Dr. Sinibaldi é introduzido por Fellipo e apresentado, por este, a Ipólita e ela, por sua vez, indaga se ele é um psiquiatra, obtendo imediata confirmação, para espanto deste, bem como do próprio irmão. Em última análise há aquele ponto em que Mássimo e sua namorada estão passeando descontraidamente pelas ruas de Roma e Ipolita, após esbarrar na fotografia paterna, quebrando-lhe o vidro, consegue visualizá-los, ao ponto de transferir sua raiva àquele cachorro que avança sobre os enamorados. Podemos ter a certeza disso ao vermos que o pai, enquanto abraça a jovem namorada, recorda-se, pensando simultaneamente na filha, do misterioso ataque canino.
Desde o princípio até o emocionante desfecho, nas ruínas do Coliseu (local onde, coincidentemente ou não, os cristãos eram massacrados na era dos Césares), “O Anticristo” prende-nos a atenção, não como uma mera cópia barata de “O Exorcista”, mas sim uma Obra de Arte, que somente não se sobrepôs ao clássico hollywoodiano, pelo simples fato de não haver sido financiada por um desses grandes estúdios que imperam sobre a Meca do Cinema.
Hoje, tal como “O Anticristo”, estou com 49 anos de idade e, a cada vez em que assisto a ele, mais me surpreendo e me fascino com as novas leituras que faço desde verdadeiro achado cinematográfico. É como se os produtores desse filme o houvessem elaborado para ser uma referência eterna.


quinta-feira, 24 de julho de 2014

Instrumento de Tortura do Catolicismo Pós-Moderno



Domingo fui à missa com minha esposa. Como todos sabem, desde a mais tenra idade, vou a esse lugar com a mesma disposição de um felino doméstico, quando vê-se obrigado pelo dono a passar pela tortura da água e do sabão. Pois bem, vamos, né?
Como de praxe, aquela anciã, com cara de piedade, veio nos encontrar, à porta do templo religioso, a fim de nos dar o folheto para que acompanhássemos a tortura (ops)... a cerimônia.
A missa, como desde que Adão fez o catecismo, ocorreu no mesmo ritmo, que nos convida a ir mais cedo para os braços de Morfeu (Canto de Entrada, Saudação, Ato Penitencial, Oração, Primeira Leitura, Mais Oração, Segunda Leitura, Aclamação do Evangelho, Evangelho, Credo, Oferendas, Preparação para a Comunhão, Pai Nosso, Saudai-vos, Comunhão, Oração, Bênção e... Tchau - tudo isso, é claro, intercalado por uma interminável sucessão de senta-levanta).
Onde estava mesmo!? Bem, confesso, foi-me dificílimo chegar a um terço da missa, porém o mais maçante foi quando o padre, após o evangelho, começou a homilia. Não pelo fato de interpretar as palavras da Sagrada Escritura, mas sim por haver literalmente viajado na maionese por intermináveis 45 minutos, nos quais ia e voltava, falando de coisas que, muitas vezes, fugiam à liturgia dominical.
O mais engraçado e que chamou-me mais a atenção é que finalmente compreendi o porquê de eu ter verdadeira fobia de missa: Ao olhar aquelas pobres crianças, de quatro, cinco até uns dez anos, pude me visualizar na impaciência daqueles coitadinhos que, sem vontade própria, são praticamente arrastados ao cadafalso, são gado levado, sem consciência, ao abate...
A essa altura, eu já estava com aquele ânimo de quem chegou às seis da manhã da balada, num domingo e vê-se obrigado a atender Testemunha de Jeová, às seis e meia no portão de casa ou é obrigado a agüentar o vizinho ouvindo Funk desde as primeiras horas matinais, ou ainda ser obrigado a escutar o alto-falante da igreja mais próxima difundindo aquela insuportável canção indígena de uma Campanha da Fraternidade que já lá vai...
Pus-me a pensar: Como os pais podem ser tão cruéis a ponto de submeterem seus rebentos a uma prática a qual ainda não compreendem o significado? As crianças tendem a impacientarem-se sim. E o mais triste, ainda por cima, é o fato de terem a atenção chamada por uma falta de que nem sequer têm consciência de haverem praticado.
Sou, por experiência e trauma próprios, partidário a que os pais, se tiverem um pouquinho de coração e bom-senso, é claro, deixem seus filhos, quando forem a uma cerimônia religiosa, sob os cuidados de algum outro responsável (avós, tios, casa de amiguinho, sob a supervisão dos pais destes), a fim de, dessa forma, evitarem futuras rebeldias e fugas da educação cristã... Deixemos sim que o Ser Humano, em formação de caráter, decida, por si só, aquilo que quer para a sua vida... Tenho certeza de que os frutos colhidos serão mais sazonados e melhor apreciados...