quinta-feira, 24 de julho de 2014

Instrumento de Tortura do Catolicismo Pós-Moderno



Domingo fui à missa com minha esposa. Como todos sabem, desde a mais tenra idade, vou a esse lugar com a mesma disposição de um felino doméstico, quando vê-se obrigado pelo dono a passar pela tortura da água e do sabão. Pois bem, vamos, né?
Como de praxe, aquela anciã, com cara de piedade, veio nos encontrar, à porta do templo religioso, a fim de nos dar o folheto para que acompanhássemos a tortura (ops)... a cerimônia.
A missa, como desde que Adão fez o catecismo, ocorreu no mesmo ritmo, que nos convida a ir mais cedo para os braços de Morfeu (Canto de Entrada, Saudação, Ato Penitencial, Oração, Primeira Leitura, Mais Oração, Segunda Leitura, Aclamação do Evangelho, Evangelho, Credo, Oferendas, Preparação para a Comunhão, Pai Nosso, Saudai-vos, Comunhão, Oração, Bênção e... Tchau - tudo isso, é claro, intercalado por uma interminável sucessão de senta-levanta).
Onde estava mesmo!? Bem, confesso, foi-me dificílimo chegar a um terço da missa, porém o mais maçante foi quando o padre, após o evangelho, começou a homilia. Não pelo fato de interpretar as palavras da Sagrada Escritura, mas sim por haver literalmente viajado na maionese por intermináveis 45 minutos, nos quais ia e voltava, falando de coisas que, muitas vezes, fugiam à liturgia dominical.
O mais engraçado e que chamou-me mais a atenção é que finalmente compreendi o porquê de eu ter verdadeira fobia de missa: Ao olhar aquelas pobres crianças, de quatro, cinco até uns dez anos, pude me visualizar na impaciência daqueles coitadinhos que, sem vontade própria, são praticamente arrastados ao cadafalso, são gado levado, sem consciência, ao abate...
A essa altura, eu já estava com aquele ânimo de quem chegou às seis da manhã da balada, num domingo e vê-se obrigado a atender Testemunha de Jeová, às seis e meia no portão de casa ou é obrigado a agüentar o vizinho ouvindo Funk desde as primeiras horas matinais, ou ainda ser obrigado a escutar o alto-falante da igreja mais próxima difundindo aquela insuportável canção indígena de uma Campanha da Fraternidade que já lá vai...
Pus-me a pensar: Como os pais podem ser tão cruéis a ponto de submeterem seus rebentos a uma prática a qual ainda não compreendem o significado? As crianças tendem a impacientarem-se sim. E o mais triste, ainda por cima, é o fato de terem a atenção chamada por uma falta de que nem sequer têm consciência de haverem praticado.
Sou, por experiência e trauma próprios, partidário a que os pais, se tiverem um pouquinho de coração e bom-senso, é claro, deixem seus filhos, quando forem a uma cerimônia religiosa, sob os cuidados de algum outro responsável (avós, tios, casa de amiguinho, sob a supervisão dos pais destes), a fim de, dessa forma, evitarem futuras rebeldias e fugas da educação cristã... Deixemos sim que o Ser Humano, em formação de caráter, decida, por si só, aquilo que quer para a sua vida... Tenho certeza de que os frutos colhidos serão mais sazonados e melhor apreciados...

O Retrato de Oscar Wilde

Há, nas obras de arte, dados, quase autobiográficos, de seu autor. Como se criador e criatura comungassem numa única forma: a Arte. É através dela que o artista expressa seus sonhos, sentimentos e ideais, bem como suas mágoas e frustrações. É como se cada palavra, cada linha, cada gesto, cada espaço traçado, por suas mãos, fossem elaborados por uma pena em que contivesse as gotas de seu próprio sangue.
Em seu "O Retrato de Dorian Gray", assim como em muitos outros trabalhos, o irlandês Oscar Wilde apresenta-nos, pela descrição e ação de suas três principais personagens, um desfile sobre suas filosofias de vida e conduta moral. Evidencia-nos suas impressões acerca da arte e, também, mostra-nos, claramente, o seu descontentamento com a sociedade da época, a qual mascarava, em seus requintados salões nobres e distintas reuniões familiares, toda sorte de hipocrisia.
Em Lorde Henry Wotton, por exemplo, Wilde defende sua  filosofia hedonista de vida, ou seja, através dessa personagem, fala-nos sobre que devemos aproveitar cada momento de nossas vidas na busca pelo prazer, não deixando, para tanto, que nada se perca. Temos sim é de viver intensamente, enquanto nos sorri a juventude.
Em Basil Howard, o pintor, temos as impressões do artista. É Wilde expressando sua arte, dizendo-nos que, na realidade, traçamos nosso auto-retrato em tudo aquilo que fazemos com a alma, com sentimento. Autor e obra fundem-se nessa personagem a fim de que saibamos que a arte é, na verdade, a vida, a alma e o sangue do artista.
Finalmente, em Dorian Gray, Wilde brinda-nos com sua paixão pela juventude, o medo da velhice e sua incessante busca pelo prazer. O senhor Gray, nessa busca, almeja transcender seus limites corporais e espirituais, todavia o autor deixa-nos claro, através dele, os riscos a que nos expomos nessa empreitada.
O que mais salta-nos aos olhos, todavia, é o fato de que, ao contar-nos a história do aristocrata que não envelhece, Oscar Wilde evoca "Fausto", obra-prima do poeta alemão Göethe, segundo a qual, o Doutor Fausto estabelece um pacto, com o demônio Mephistóphilis, em troca de longevidade e plenitude. Nessa verdadeira caça à plenitude, Fausto, assim como Dorian, envereda por obscuros caminhos. Ao completar cem anos, Fausto, após levar uma vida de perdição, arrependido por suas faltas, distribui suas terras aos pobres e, assim, alcança a Clemência Divina.
Dorian, por sua vez, não possui essa mesma sorte. Após conturbada vida, plena de crimes morais, ele, ao perceber que sua alma estava, praticamente, condenada ao padecimento, pratica uma suposta boa ação, visando, para tanto, remir, pelo menos um pouco, os seus muitos pecados, entretanto, o fato de procurar praticar o bem, a fim de apagar uma falta, resulta em mais uma marca nascente no quadro, já, há muito, carcomido por seus pecados. Podemos encontrar, no brilhante prefácio da obra, também elaborado por Wilde, uma alusão a tal passagem: "Pode-se perdoar um homem por fazer alguma coisa útil desde que ele não a admire". O prefácio de "O Retrato de Dorian Gray" é, constantemente, objeto de estudo de muitos intelectuais e acadêmicos.
Para concluir, Goethe e Wilde, ao criarem suas personagens, quiseram evidenciar a ânsia, tão humana, de sair à procura de respostas a suas infindáveis interrogações e para seus mais recônditos medos, mesmo que tal busca resulte na mais amarga descoberta para o âmago.

Um Mundo Absurdo Pelo Qual Passeia Uma Adolescente Tipicamente Inglesa




"(...)e a Rainha, indignada, levantando-se do trono, ordenou: 'Cortem-lhe a Cabeça!' "

Uma tirana e perversa Rainha de Copas, um coelho que manipula seus soberanos, um Rei apático, uma criança que vira porco. Todos esses elementos nasceram através da mente de um tímido matemático inglês, que, após sofrer um forte abalo, pela morte materna, resolveu dedicar-se ao estudo do comportamento infantil.
Filho de um clérigo, Lewis Carroll, o criador de Alice, cujo verdadeiro nome é Charles Dodgson, nasceu em Cheshire, Inglaterra, em 1822. Realizou seus estudos em Oxford, onde permaneceu trabalhando, como professor e conferencista.          
Sentia-se bem na companhia de crianças, apreciava desenhá-las e fotografá-las. Com os adultos sofria grande entrave para se comunicar. Tal fator fez que Carroll não contasse com muitos amigos entre eles.
Passava a maior parte do tempo livre em companhia das crianças da família Liddell. Para elas, Carroll inventava longas e incríveis estórias, nas quais o fantástico e o absurdo constituem o centro da narrativa.
 Certa vez, ao sair, a passeio de barco, com as meninas Liddell, começou a narrar-lhes uma estória cuja protagonista era a mais nova das três jovens acompanhantes, Alice. Diante da reação das meninas, Carroll viu-se incentivado a publicá-la. Assim nasceu Alice No País Das Maravilhas, seguido, depois, por Alice Através Do Espelho. Nesta última, o tema central é uma partida de xadrez, cujos personagens são as peças.
O estilo em que a narrativa de Alice se apresenta,  o modo pelo qual o mundo real adentra o irreal, bem como a atmosfera onírica e de subconsciência, faz-nos chegar a conclusão de que essa obra, originalde pouco depois da metade do século XIX, seria, em realidade, precursora de um importante movimento artístico, surgido mais tarde em literatura: o Surrealismo.
De fato, se nos detivermos a analisar os capítulos de Alice, com suas situações fantásticas e suas alegorias da realidade, poderemos, facilmente, constatar que, por exemplo, a hora em que Alice mergulha na toca do coelho, seria, de modo hábil, perfeitamente ilustrada por Dali, principal expoente desse movimento  nas artes.
 Ao contrário do que muitos leitores pensam, Alice é uma obra aparentemente infantil. Além do verdadeiro choque de realidades que é a passagem da infância para a adolescência, tão genialmente simbolizado, na obra, pela toca do coelho, Carroll, ao criar as personagens de seu livro, não se embasou apenas na jovem Liddell, mas também em importantes figuras pertencentes à aristocracia britânica da época, dentre as quais a própria Rainha Vitória, a qual é apresentada como sendo de fraca personalidade, superficial em suas opiniões e julgamentos e, acima de tudo, manipulável, protegida por um exército frágil, tal como um castelo de cartas.
Assim como outros satiristas, Carroll utilizou seu país de maravilhas para, em suas entrelinhas, expressar seu pesar quanto à monarquia, bem como quanto a uma sociedade composta por nobres e aristocratas que não possuiam tempo para o povo, mas sim visavam seus próprios interesses e bem-estar.
Como considerações finais, gostaria de manifestar aqui dois pensamentos que me ocorreram, enquanto escrevia, ao amigo leitor, estas amadorísticas linhas. Se fosse escrito hoje em dia, em pleno século XXI, em que a Família Windsor mostra, após inúmeros escândalos, visíveis sinais de desgaste, assim como o Paralamento Britânico perde lentamente a famosa autonomia, a imortal obra-prima de Lewis Carroll, acertadamente, seria publicada sob o título "Alice No País Do Caos". Já o seu autor, devido a seu justificável apego às crianças, sem sombra de dúvidas, já teria sido denunciado, como pedófilo, por algum dos desocupados militantes da Vara da Infância e Adolescência, e estaria, em algum presídio inglês, cumprindo sua injusta e infundada pena.