quinta-feira, 24 de julho de 2014

O Retrato de Oscar Wilde

Há, nas obras de arte, dados, quase autobiográficos, de seu autor. Como se criador e criatura comungassem numa única forma: a Arte. É através dela que o artista expressa seus sonhos, sentimentos e ideais, bem como suas mágoas e frustrações. É como se cada palavra, cada linha, cada gesto, cada espaço traçado, por suas mãos, fossem elaborados por uma pena em que contivesse as gotas de seu próprio sangue.
Em seu "O Retrato de Dorian Gray", assim como em muitos outros trabalhos, o irlandês Oscar Wilde apresenta-nos, pela descrição e ação de suas três principais personagens, um desfile sobre suas filosofias de vida e conduta moral. Evidencia-nos suas impressões acerca da arte e, também, mostra-nos, claramente, o seu descontentamento com a sociedade da época, a qual mascarava, em seus requintados salões nobres e distintas reuniões familiares, toda sorte de hipocrisia.
Em Lorde Henry Wotton, por exemplo, Wilde defende sua  filosofia hedonista de vida, ou seja, através dessa personagem, fala-nos sobre que devemos aproveitar cada momento de nossas vidas na busca pelo prazer, não deixando, para tanto, que nada se perca. Temos sim é de viver intensamente, enquanto nos sorri a juventude.
Em Basil Howard, o pintor, temos as impressões do artista. É Wilde expressando sua arte, dizendo-nos que, na realidade, traçamos nosso auto-retrato em tudo aquilo que fazemos com a alma, com sentimento. Autor e obra fundem-se nessa personagem a fim de que saibamos que a arte é, na verdade, a vida, a alma e o sangue do artista.
Finalmente, em Dorian Gray, Wilde brinda-nos com sua paixão pela juventude, o medo da velhice e sua incessante busca pelo prazer. O senhor Gray, nessa busca, almeja transcender seus limites corporais e espirituais, todavia o autor deixa-nos claro, através dele, os riscos a que nos expomos nessa empreitada.
O que mais salta-nos aos olhos, todavia, é o fato de que, ao contar-nos a história do aristocrata que não envelhece, Oscar Wilde evoca "Fausto", obra-prima do poeta alemão Göethe, segundo a qual, o Doutor Fausto estabelece um pacto, com o demônio Mephistóphilis, em troca de longevidade e plenitude. Nessa verdadeira caça à plenitude, Fausto, assim como Dorian, envereda por obscuros caminhos. Ao completar cem anos, Fausto, após levar uma vida de perdição, arrependido por suas faltas, distribui suas terras aos pobres e, assim, alcança a Clemência Divina.
Dorian, por sua vez, não possui essa mesma sorte. Após conturbada vida, plena de crimes morais, ele, ao perceber que sua alma estava, praticamente, condenada ao padecimento, pratica uma suposta boa ação, visando, para tanto, remir, pelo menos um pouco, os seus muitos pecados, entretanto, o fato de procurar praticar o bem, a fim de apagar uma falta, resulta em mais uma marca nascente no quadro, já, há muito, carcomido por seus pecados. Podemos encontrar, no brilhante prefácio da obra, também elaborado por Wilde, uma alusão a tal passagem: "Pode-se perdoar um homem por fazer alguma coisa útil desde que ele não a admire". O prefácio de "O Retrato de Dorian Gray" é, constantemente, objeto de estudo de muitos intelectuais e acadêmicos.
Para concluir, Goethe e Wilde, ao criarem suas personagens, quiseram evidenciar a ânsia, tão humana, de sair à procura de respostas a suas infindáveis interrogações e para seus mais recônditos medos, mesmo que tal busca resulte na mais amarga descoberta para o âmago.

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