Há,
nas obras de arte, dados, quase autobiográficos, de seu autor. Como se
criador e criatura comungassem numa única forma: a Arte. É através
dela que o artista expressa seus sonhos, sentimentos e ideais, bem como
suas mágoas e frustrações. É como se cada palavra, cada linha, cada
gesto, cada espaço traçado, por suas mãos, fossem elaborados por uma
pena em que contivesse as gotas de seu próprio sangue.
Em seu "O Retrato de Dorian Gray", assim como em muitos outros trabalhos, o irlandês Oscar Wilde
apresenta-nos, pela descrição e ação de suas três principais
personagens, um desfile sobre suas filosofias de vida e conduta moral.
Evidencia-nos suas impressões acerca da arte e, também, mostra-nos,
claramente, o seu descontentamento com a sociedade da época, a qual
mascarava, em seus requintados salões nobres e distintas reuniões
familiares, toda sorte de hipocrisia.
Em Lorde Henry Wotton,
por exemplo, Wilde defende sua filosofia hedonista de vida, ou seja,
através dessa personagem, fala-nos sobre que devemos aproveitar cada
momento de nossas vidas na busca pelo prazer, não deixando, para tanto,
que nada se perca. Temos sim é de viver intensamente, enquanto nos
sorri a juventude.
Em Basil Howard,
o pintor, temos as impressões do artista. É Wilde expressando sua
arte, dizendo-nos que, na realidade, traçamos nosso auto-retrato em
tudo aquilo que fazemos com a alma, com sentimento. Autor e obra
fundem-se nessa personagem a fim de que saibamos que a arte é, na
verdade, a vida, a alma e o sangue do artista.
Finalmente, em Dorian Gray,
Wilde brinda-nos com sua paixão pela juventude, o medo da velhice e
sua incessante busca pelo prazer. O senhor Gray, nessa busca, almeja
transcender seus limites corporais e espirituais, todavia o autor
deixa-nos claro, através dele, os riscos a que nos expomos nessa
empreitada.
O que mais salta-nos
aos olhos, todavia, é o fato de que, ao contar-nos a história do
aristocrata que não envelhece, Oscar Wilde evoca "Fausto", obra-prima do poeta alemão Göethe,
segundo a qual, o Doutor Fausto estabelece um pacto, com o demônio
Mephistóphilis, em troca de longevidade e plenitude. Nessa verdadeira
caça à plenitude, Fausto, assim como Dorian, envereda por obscuros
caminhos. Ao completar cem anos, Fausto, após levar uma vida de
perdição, arrependido por suas faltas, distribui suas terras aos pobres
e, assim, alcança a Clemência Divina.
Dorian,
por sua vez, não possui essa mesma sorte. Após conturbada vida, plena
de crimes morais, ele, ao perceber que sua alma estava, praticamente,
condenada ao padecimento, pratica uma suposta boa ação, visando, para
tanto, remir, pelo menos um pouco, os seus muitos pecados, entretanto, o
fato de procurar praticar o bem, a fim de apagar uma falta, resulta em
mais uma marca nascente no quadro, já, há muito, carcomido por seus
pecados. Podemos encontrar, no brilhante prefácio da obra, também
elaborado por Wilde, uma alusão a tal passagem: "Pode-se perdoar um homem por fazer alguma coisa útil desde que ele não a admire". O prefácio de "O Retrato de Dorian Gray" é, constantemente, objeto de estudo de muitos intelectuais e acadêmicos.
Para
concluir, Goethe e Wilde, ao criarem suas personagens, quiseram
evidenciar a ânsia, tão humana, de sair à procura de respostas a suas
infindáveis interrogações e para seus mais recônditos medos, mesmo que
tal busca resulte na mais amarga descoberta para o âmago.
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